dezembro 05, 2011

Mika, O Conto

Introdução


Este é um conto bem simples e místico.
Narra a vida de Mika, uma jovem lésbica que sempre foi mimada e cuidada por sua namorada e de repente vê sua vida de cabeça para baixo ao descobrir que foi deixada e está solteira novamente.
Depois de longos anos de namoro e dependência total de sua parceira, Mika não sabe ao certo como se reconstruir e seguir em frente. De seu jeito, errôneo ou não, ela tenta seguir com a vida e no desenrolar de tudo descobre muitos dons e forças de onde nem imaginava existir.
Como sempre, há um pouco de drama.
Não vou narrar os personagens, isto ficará pela curiosidade de vocês em ler o conto Mika.


Espero que gostem.
Abraços,
Káah Azamba.

- 1 -
Uma vida inteira de amor jogada pelo acaso. Não, ela está exagerando, dez anos. O que seriam dez anos em uma relação que se iniciou aos doze? Seria uma adolescência inteira perdida, mas todo o resto tem solução, até mesmo o pobre e desamparado coração de Mika. “A lua é o demônio que se veste da pureza do sol”. E só agora Mika entendia o porque das palavras doces e frias de sua antiga amada. Ela era o demônio - sua amada, agora, antigo caso de amor. Tantas confusões e pensamentos apertados em seu coração.
Mika, uma jovem bronzeada dos cabelos curtos num tom castanho claro, os olhos, seus magníficos e acinzentados olhos, uma cor nunca vista antes, um azul marinho - a cor da noite - que quando tocado pelo sol, torna-se o branco mais puro, o branco acinzentado.
Ela já estava acostumada com os comentários desde o quanto seus olhos eram lindos, até o quanto eram pavorosos. Pouco importava para ela, sua antiga amada venerava aqueles olhos, e isto fazia com que Mika os amasse tanto quanto sua amada. Porém agora fora deixada sozinha, sem a menor piedade e motivo. Como ela passou a odiar seus olhos e considerar-se uma aberração! Uma aberração tola e inútil.
Era modelo, mas nunca chegou a ser famosa. Já estava prestes a completar vinte e três anos, precisaria arranjar um emprego que lhe desse mais garantia. Procurou, mas no estado abatido no qual se encontrava ninguém quis contratá-la.
Vestia-se nas últimas tendências da moda e nunca se importou com seu caráter, afinal sua ex amada sempre lhe falava o quão perfeita Mika era. Porém ela notou o contrário quando se viu sozinha e ninguém disposto a preencher a vaga que lhe faltava. Percebeu que as mulheres eram felizes mesmo com parceiras feias, e começou a pensar mais sobre isto.
Tornou-se descuidada com o visual, e nem por isto deixou de ser bela, apenas deselegante. Olhou para si mesma e sua antiga relação; onde ela havia errado? Chegou a conclusão; era narcisista de mais, precisaria mudar isto.


- 2 -
Parecia que tinha tudo pronto, o plano perfeito, até que deparou-se com a realidade. Estava sozinha, teria que cuidar de si mesma, teria que lutar por si mesma, teria que sonhar por si própria. Caiu em lágrimas com saudades de sua amada, não dela em si, e sim das coisas que ela lhe fazia; tudo.
Por que tamanha maldade? Por que aprisionar Mika, torná-la dependente e frágil, aumentar seu ego ao máximo e logo então partir? Ah, pobrezinha de Mika, desolada e sem previsão de futuro. E mesmo coberta de tristeza seus olhos continuavam assustadoramente belos.
Tudo o que lhe restou foi um bloco de anotações antigo, que sua amada usava como agenda para cuidar de Mika. Até disto ela cuidava, Mika nunca preocupou-se com nada, muito menos com sua amada. Confiava nela e acreditava no seu amor, ela nunca reclamou disto, sempre mostrou-se forte. Na verdade ela dizia que tinha prazer em fazer tudo por Mika e que a teria consigo eternamente.
Ah! Sentiu que seu coração rachava ao meio, grunhiu de dor. Ah! Pôs-se a chorar em seu quarto novamente, que antes era delas. O lugar que lhes serviu de abrigo e paixão, o santuário do amor de ambas, e agora tudo se tornava tão feio e sem vida.
Aos prantos ela notou, ainda usava a aliança, e pouco teve coragem ou vontade de tirá-la. Pensou em arranjar alguém, mesmo que temporário, apenas para não se sentir tão sozinha, mas mudou logo de ideia ao imaginar magoando-se outra vez.
Qual seria a solução? Morrer? Sua carreira era um desastre, e era a única coisa que tinha além de sua amada, então logo não tinha nada.
Lembrou dos sonhos antigos, ter filhos e conhecer o mundo. Sim, sonhos pequenos se comparados ao de muitos, mas já era um avanço. Teria que perceber que poderia seguir com a vida sem sua ex, e que realizaria seus sonhos antigos.


- 3 -
Mika espreguiçou-se na cama, sentiu o cheiro de waffles, foi o suficiente para mandar a preguiça embora e andar cautelosamente até a cozinha. O cabelo bagunçado, as mãozinhas frágeis roçando em seus olhos acinzentados como quem quer mandar o sono embora; ainda de pijama e pantufas olhou para sua amada; “Meu bem?” disse receosa, “Bom dia minha vida! Veja que dia lindo se faz lá fora!” respondeu sua companheira enquanto lhe servia o café da manhã e roubava um breve beijo da garota sonolenta.
“Não acho tão belo assim” resmungou. Sua amada riu, pegou o casaco da cadeira e enquanto partia para o trabalho disse “Não se esqueça da sessão de fotos de hoje.” Esta frase com a voz tão pertencente a ela tornou-se um eco constante na mente de Mika, até que ela acordou.
Não ousou se mover. Em sua cama podia ouvir o barulho da chuva. Teve frio mesmo com três cobertas por cima de si, precisava de sua amada de volta, mas de forma alguma correria atrás dela.
“Eu que era feliz com dias que eram perfeitos, e eu nem fazia idéia do quanto” murmurou ao rolar pela cama e sentir leves lágrimas cair-lhe ao rosto. “Pelo menos eu acompanho este dia, choraremos juntos, chuva”, disse com pena de si mesma.
Nenhum amigo para lhe ligar e os agentes de modelo pouco a procuravam, ela não estava em mínimas condições de desfilar ou posar para fotos de algum produto. Também não queria trabalhar pesado, tinha a alma livre e não gostava de regras, mas por outro lado a reserva no banco não duraria para sempre; ela precisava encontrar um emprego decente.
Levantou, se arrumou um pouco e foi até a loja de seu pai; “Bom dia papai!” gritou manhosa ao entrar na loja de ferragens.
Ele surpreendeu-se com a visita da filha, ela nunca dava notícias, apenas ligava ou mandava flores nas datas comemorativas, mesmo não morando longe; “Minha garotinha! Que saudades”. Deixou seu ajudante atendendo os clientes e foram conversar.
Ela nem esperou que ele matasse a saudade; “Papai, preciso de um emprego, posso trabalhar aqui?”. Ele riu sem dar respostas, coçava o queixo analisando a filha, a mesma garotinha egoísta que conhecia. “Oras meu bem, não acho que aqui seja apropriado para uma garota tão bela e sensível como você, mas te levarei a uma amiga, ela sempre reclama por ter que trabalhar sozinha.” “Perfeito!” exclamou ela.


- 4 -
Dois quarteirões à frente e entraram em uma loja pequena e entupida de coisas, cheirava a incenso de cravo que ardeu os olhos de Mika. “Cof, cof, credo pai, que lugar é este?”.
Seu pai sorriu gentilmente e apontou para o fundo da lojinha. Entre várias coisas que Mika não conhecia, estava uma velha sentada em uma cadeira de balanço. “Edna, venho te apresentar minha filha.”.
A velha levantou-se, e com sua vareta mancou até onde eles estavam. “Muitíssimo linda, uma preciosidade”, falou analisando Mika. “Então, quando quer começar seu trabalho? Há muita coisa para se fazer”. Mika assustou-se “Como ela sabe? Ela é adivinha ou algo assim?” sussurrou para seu pai. A velha riu alto; “Não seja boba criança, seu pai me ligou”. E todos riram, exceto Mika que estava envergonhada.
“Então,” disse o pai limpando as mãos em sua calça de trabalho surrada “Tenho que voltar ao trabalho. Qualquer coisa me chame filha”. Mika sentiu-se insegura, ainda mais em um lugar tão esotérico e diferente de tudo o que conhecia.
“Pode começar pelas prateleiras de cima para baixo, da esquerda para a direita” disse Edna com a voz um pouco rouca e muito gentil. Mika olhou toda aquela bagunça e tralhas empoeiradas, teve vontade de dar meia volta e partir, porém lembrou-se que se fizesse isso perderia sua casa e não teria como se sustentar. Seu salário também não ajudava, apesar que seu pai dizia que mil por mês para ajudar uma velinha já estava de bom tamanho.
Mika começou a espanar as coisas e passar pano de leve. “Faça com vontade!” gritava Edna do balcão. Ninguém entrou na loja um momento sequer, e a jovem não entendia como a velha conseguia se sustentar naquele mausoléu.


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No fim da tarde a jovem estava coberta de poeira e um cheiro irritante de cravo da índia. “Muito bem! Volte amanhã às nove horas” disse Edna enquanto dava uns trocados para a jovem, empurrando-a gentilmente para fora de sua loja.
“Vinte reais?” olhou indignada para suas mãos “O que vou fazer com isto?”, foi até seu pai. “Então, como foi o primeiro dia de trabalho da minha garotinha?” perguntou o pai tão orgulhoso de sua filha que nem parecia ter notado o quão suja e cansada ela estava. Mika pôs-se a chorar “Ganhei vinte reais por passar o dia limpando a loja para aquela louca!”, seu pai ria enquanto a consolava “Calma, você vai ganhar vinte reais por dia para comer, e no fim do mês ganhará seu salário normal.” “Ridículo! Nunca fui tão explorada em minha vida!” “Explorada?” interferiu o pai “Meu ajudante ganha seiscentos ao mês e cinco ao final de cada dia.”. Mika olhou indignada “Que crueldade papai!”. Ele ria da inocência dela “Não minha garotinha, é a realidade.”
No segundo dia de trabalho Mika espantou-se com a quantidade imensa de pessoas que conheciam aquele lugar perdido no mundo. A loja em si era difícil de visualizar por fora; uma portinha sem graça e cortinas cobrindo a vitrine impedia de saber sobre o que era, sem nome nem nada.
Espantou-se também com as pessoas que iam lá - estranhas e diferentes, e ela nunca as havia notado na cidade antes. Desde hippies até góticos, também uma mistura de ambos, compravam as coisas mais sem graça, e no ponto de vista de Mika, fora de moda. Ela ria ao ver uma mulher comprar uma luva azul clara cheia de plumas de um cheiro azedo, por dizer que traria sorte.
O mais comum eram as peças feitas à mão por um preço absurdo apenas por conter algum certo “poder”. Marcante foi no dia que uma jovem foi até lá desesperada, dizendo que havia sonhado com um colar de ametista amarelo, e se não o usasse estaria completamente vulnerável as forças do mal. Edna simplesmente entrou no depósito, colocou um pingente oval de pedra amarelada em uma gargantilha de segunda classe, e a jovem pagou quase quinhentos reais naquilo.
Mika contava tudo ao seu pai enquanto morria de rir, ele também achava engraçado, mas levava a sério o que Edna fazia. Ele dizia que ela trazia paz para as pessoas, enquanto Mika achava que ela explorava a burrice dos outros.
Mudou-se para o apartamento de seu pai, ajudaria com um terço do aluguel e o resto era por conta dele. E sim, ela achava que estava lhe fazendo um favor.
Numa de suas conversas com Edna, Mika deixou escapar que às vezes sonhava com sua ex amada e reviviam momentos juntas. Edna lhe perguntou se tinha controle do sonho e Mika respondeu “Do sonho em si não, mas sei perfeitamente o que estou fazendo, e sempre sigo o roteiro”. Edna olhava-a intrigada, “Que roteiro?”, “Ah, você sabe, como tem que ser, como sempre foi”.
A velha pegou nas mãos de Mika e olhou fundo nos olhos noturnos da garota, e mesmo sem sol, por breves segundos ele acinzentou e ela sentiu uma leve tonteira. “Criança, você tem um dom” dizia a velha num tom temeroso “Nunca conheci alguém pessoalmente com um dom assim!” a velha ficou desnorteada, mancava de um lado para o outro olhando diversos livros rapidamente, e então balbuciou enquanto apontava para Mika ler uma página.


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Tensa com a situação, a jovem olhou receosa para o livro; dizia a respeito de um velho sábio que era capaz de voltar no tempo em momentos de transe e modificar o passado. Mika agoniada, olhou para Edna como se ela fosse a mais louca que existisse, saiu correndo da loja deixando o livro tombar no chão.
Tomou um banho e riu de si mesma por ter se deixado levar pelas ideias insanas daquela senhora. Decidiu que precisava de férias, e ao invés de investir o dinheiro que tinha guardado com esforço, gastou em uma viagem para a capital, perto da praia.
A viagem estava marcada para acontecer somente a partir de duas semanas, e neste tempo vago ela ficou a limpar e organizar o apartamento de seu pai, que sempre conversava com sua filha.
Antes, tudo o que Mika tinha era com sua amada, agora o pouco que lhe restava era seu. O egoísmo não poderia ser medido. Começou a ver o erro por ter sido tão dependente, mas não queria culpar os outros pelas suas falhas.
Ela notava: tinha falhado em dar, queria apenas receber, e isto dizia em tudo, amor, cuidados, atenção, dinheiro. Ela achava que por dividir bens materiais e não trair seria a melhor namorada possível. Nunca passou pela cabeça dela que sua amada também tinha necessidades e desejos ocultos em si. Inocente e tola Mika.
Seu pai conversou com ela, mostrou o mundo que sua amada lhe tinha ocultado para proteger, e aos poucos sua mente se abriu e ajustou aos parâmetros da sociedade.
Descobriu que seus olhos, por mais encantadores que fossem, não lhe dariam tudo, que precisaria batalhar e muito para ser alguém no mundo, e que seu pai estava lhe ajudando ao invés do contrário.


- 7 -
Malas prontas e o coração alegre, faltavam duas horas para seu pai lhe levar ao aeroporto, tudo estava pronto e eles tomavam o café da tarde como despedida. “Qual é papai, são só alguns meses” ele olhava cabisbaixo mesmo tentando esconder sua tristeza.
Minutos antes de Mika colocar as malas no carro de seu pai, Edna visita-lhe e entrega um broche de ouro com uma pedra vermelha. A garota não quis ser hostil, agradeceu, despediu-se de Edna e deixou o broche na casa de seu pai, em uma caixinha de madeira. “Ouro?” riu debochadamente, “Isto está mais para as bijuterias baratas daquela velha louca”. Mika tinha raiva de Edna por ter lhe assustado e falado coisas que não queria ouvir. Ela também odiava a postura mandona e ao mesmo tempo sensível que a velha mantinha.
Partiu para a capital e em poucas horas já estava no aeroporto de lá. Viu muita gente interessante e ninguém quis lhe dar atenção, nem mesmo os próprios funcionários, até porque a atenção que ela precisava chama-se guia turístico. Os taxistas cobravam uma exuberância para levar ao lugar que fosse e mesmo não sendo veraneio, os hotéis perto do mar não estavam com um preço acessível para ela.
Encarou a realidade; precisava se recompor e voltar para as passarelas. Ligou para sua ex amada e lhe foi insuportável ouvir o simples “Alô?”, desligou e mandou uma mensagem pedindo ajuda para conseguir algo onde estava, e ela lhe retornou informando que providenciaria com o maior prazer.
Dois dias passados e estava no jornal o nome de Mika dizendo que ela havia ‘voltado’ à ativa, sendo que na verdade nem ido ela teve. Sim, ela era uma ótima profissional, mas hesitava em aceitar trabalhos grandes, e agora estava disposta a fazê-los.
Recebeu várias ligações e propostas generosas, resolveu aceitar uma companhia que tirava fotos para produtos em revistas e desfilava com roupas de lojas locais para as promoverem.
Ia à praia sempre que o tempo permitia, e a cada dia sentia-se mais só. Se lembrou de um dos sonhos que teve depois que partiu, Edna entregou-lhe um broche e com desdém ela o guardou no bolso e levou consigo para a viagem. Ela riu daquilo tudo que se lembrou, e a curiosidade matou-lhe de desejos, correu até suas roupas sujas para conferir o bolso da calça. Não, nada de broches por ali. Aliviada, sentou na janela e viu uma exposição de quadros mais adiante, decidiu apreciá-los.
Quase quarenta quadros em um ambiente relativamente pequeno e bagunçado. Olhou para a meia dúzia de pessoas que estavam por ali e foi sussurrada por uma garota esbelta, loira e dos olhos róseos, “Quem você acha que é o autor?”, Mika sorriu envergonhada enquanto sentia suas bochechas ficarem rosadas; apontou para um rapaz desajeitado do cabelo grande. A garota riu “Não mesmo. Tente novamente”. Procurou ao redor e apontou para uma senhora do vestido longo e meias coloridas. A garota olhou Mika seriamente, “Sou eu.”
Mika olhou-a sem acreditar, ela era loira naturalmente e estava com suas roupas perfeitamente em dia; um saltinho básico e vestidinho tom pastel estilo batinha. “Você?” recriminou a jovem. Ela assentiu e estendeu a mão “Prazer, Ema. Verá minha assinatura nos quadros” disse orgulhosa de si mesma.


- 8 -
Era engraçado de ver as duas por perto, como completos opostos, - a noite e o dia - uma competindo com a outra sem perceber.
Saíram de lá para tomar uma vitamina de banana por consideração ao desejo de Ema. Conversaram e gostaram de se falar, Mika precisou partir para o trabalho e a garota voltou à sua exposição.
Depois de mais um longo e cansativo dia de trabalho, Mika voltou para o apartamento que estava, cerrou os olhos e os abriu apenas sete horas da manhã, quando alguém bateu em sua porta. Pensou ser o síndico ou a moça da faxina. Com o rosto inchado, os cabelos despenteados e a roupa do dia de ontem amarrotada, Mika abriu a porta pronta a gritar e mandar quem fosse embora, mas ao contrário do que pensou, viu aquelas duas bolotas róseas postas numa pele alva de algodão; era Ema.
Pediu-a que entrasse e a fez aguardar na sala pequena enquanto tomava um breve banho. Ao voltar, a garota estava segurando o broche que Edna havia dado para Mika. Ela nem sabia mais se o tinha deixado na casa de seu pai, ou se o tinha levado consigo, sentiu um aperto no peito e quis chorar pela incerteza que sentia, mas nada demonstrou para sua visitante.
Depois de apreciá-lo, Ema estendeu a mão para entregar o broche à sua dona. Mika receosa pegou-o e quis saber onde ela o tinha encontrado. “No chão, perto de sua cama, deve ter deixado cair. Minha mãe tinha um desses quando eu era pequena, dizia que era para protege ou algo assim.” “Sua mãe? Quem é sua mãe?” indagou Mika, e a garota prontamente respondeu “Você não deve conhecê-la, ela trabalha em uma lojinha aqui no interior”, a coisa estava ficando séria, Mika sentiu seu coração acelerar “E o que ela vende?” “Sei lá, um monte de coisas”, respondeu a jovem, sem imaginar o que se passava com Mika.
Quase ríspida Mika perguntou, “Qual o nome dela?”. A garota olhou-a sem compreender, “Edna.” A garota bronzeada dos olhos acinzentados congelou, não acreditava que aquela velha maluca tivesse uma filha tão nova e dócil. A garota bronzeada limpou a garganta, nervosa, “Trabalhei para ela.” “E ela lhe deu o broche?” a loira estava enciumada. “Pois é…” Mika respondeu sem jeito.
Ema levantou-se cautelosa e novamente tomou a postura infantil que tinha, “Vim te chamar para dar um passeio pela praia.” E foram.


- 9 -
O passeio foi um desastre. Mika recebeu uma ligação da mãe de sua ex relação e soube da trágica notícia; seu antigo e eterno amor havia morrido.
Desatou a chorar no colo da nova amiga "Eu a amo tanto! Este não pode ser o fim".
Ema abraçou a pobre e abalada garota enquanto acariciava seus cabelos, "Por vezes a realidade não parece tão real quanto deveria ser".
Se danou com a realidade. Perdeu o chão e nem sabia mais o que era ser real.
Fez uma viagem às pressas e conversou com Edna, precisava de ajuda para executar o seu dom, seja ele qual fosse. A velha riu maldosamente e disse que nada podia fazer.
Mika despertou no seu quarto, aquele de frente para a galeria de quadros de Ema.
"O que? Foi só um sonho?", olhou correndo seu celular, a ligação da mãe de seu antigo amor havida sido feita. Realmente o grande amor de Mika estava morto e a garota sonhou com a ida até a casa de Edna. Mesmo tudo parecendo tão real quanto ao ver Edna e pedir-lhe ajuda, deu por si que tudo não passou de um sonho e voltou a  chorar.
"Não! Talvez seja um sinal que eu deva ir até a velha!". Marcou a viagem, despediu-se de Ema, disse que estava muito abalada e precisaria passar uns dias com seu pai. Viajou ao encontro da velha mística.
Ao abrir a porta da antiga loja empoeirada, Mika sentiu todo o seu corpo formigar, mas pouco se importou com isto.
A velha foi gentil "Criança! Como está o coração? Eu sabia que viria, seu pai me contou a triste notícia.". A jovem fez-se de insensível, abraçou rapidamente a velha e pediu o livro que havia lido semanas atrás.
"Está indisponível no momento, mas se procura por algo específico eu posso lhe ajudar." A jovem olhou receosa para a velha que no sonho fora tão repugnante, "Quais informações teria sobre o meu dom?", "Qual dom?". A garota olhou sem acreditar, sua pressão baixou e sentou-se numa poltrona perto do balcão, pensou com calma e analisou as situação, estaria sonhando outra vez?
Olhou ao redor e para si, tudo normal ou como deveria estar. Então era real. "O meu dom, o livro que você me deu para ler" insistiu Mika. A velha gaguejou "Não sei do que você está falando criança" e se pôs a mancar de lá para cá, fingindo estar ocupada com muitas tarefas.
"Sabe sim!" gritou Mika, "Sabe porque você quem me mostrou o livro e agora o quer esconder de mim!". A velha nada falou, tomou uma postura séria e fez uma reprovação com seu cabeça, "Criança, tem razão, eu lhe mostrei o livro, mas não deveria. Ele não tem nada em relação com você." "É claro que tem! Já está acontecendo. Eu nem sei mais o que é real e o que é sonho!". A velha pouco ligou para as palavras da garota e disse; "Você se perdeu muito fácil".
Mika olhou-a perplexa. "Eu perdi todo o vestígio de esperança em voltar ao meu amor! Você não pode me pedir para ter calma e sanidade!" "Pelo o que me lembro, você nem sabia o porque do seu grande amor ter lhe deixado." retrucou Edna dando enfase no 'grande amor'.
A jovem enfureceu-se, "Nem acredito que Ema seja mesmo sua filha! Você é tão desprezível." falou e saiu correndo da loja.

- 10 -
Mika sabia que não poderia contar com a ajuda da velha, por isto usou o meio mais fácil que tinha em mãos; a internet. Procurou e pesquisou sobre pessoas com poderes e dons capazes de mudar ou vivenciar o passado. Nada encontrou a não serem histórias fictícias que nada condiziam com o que ela estava passando.
Voltou para a capital, se reencontrou com Ema e praguejou contra a mãe dela. Ao contrário do que esperava, Ema não se irritou, porém nada disse a favor ou contra.
Sua louca motivação para saber o que realmente estava acontecendo lhe fez entrar onde jamais imaginou que um dia estaria. Uma biblioteca. Encontrou um livro sem graça, que por um motivo qualquer lhe chamou a atenção. Pela dúvida levou as duas coleções para casa.
Começou a ler e percebeu que - se não fossem palavras de um devaneio qualquer - havia muito mais na vida do que a tinham ensinado. Pessoas com diversos dons, onde apenas pequenos traços revelavam serem especiais. No caso de Mika eram os olhos, mas haviam outros traços nas pessoas, como sinais na pele, marcas em relevo ou profundas em partes do corpo, símbolos que apareciam sem motivo algum...
Na maioria dos casos as identificações eram feitas pelas cores anormais. Como por exemplo os olhos cinzentos, os cabelos dourados, as unhas multicoloridas e vários outros detalhes. O problema era que várias pessoas “normais” utilizavam estas coisas através de tinturas, lentes de contato, maquiagens, etc.
Tudo porque já estavam retratados de uma forma ou de outra em histórias de filmes ou desenhos animados. O que todos achavam ser divertido e apenas isto, Mika estava descobrindo ser verdade.
Voltou na biblioteca e queria comprar aqueles livros, e encontrar outros do mesmo autor, porém não era possível, pois eram as raridades da biblioteca, e muitos pediam para utilizá-lo. Também não foi possível informarem quem eram as pessoas que utilizavam os livros, o que obrigou Mika a frequentar diariamente o lugar.
Após quase uma semana com todo o tempo livre na biblioteca, com saudades de Ema e morrendo de tédio, fingia estar lendo alguma revista de fofocas o tempo todo. Mika encontrou um jovem gorducho que dirigiu-se até a sessão Mística.
Na ponta dos pés ela bisbilhotou o rapaz por entre os livros. Ele pegou um dos livros que ela havia utilizado, e ela rapidamente passou a procurar pistas de que ele fosse alguém que pudesse conversar. Ela notou uma mancha azul claro na nuca do rapaz, e antes que ele se sentasse na mesa, ela o cutucou.
Receoso, ele olhou para a garota com a cara de maluca. “O que você vai fazer com este livro?”, ela perguntou. Ele deu umas risadinhas irônica respondendo “Vou ler”. Ela ficou sem jeito, ele gostou dela e ambos começaram a conversar.
Após dez minutos de conversa ela percebeu que ele não passava de um fanático por jogos que estava procurando materiais para enriquecer suas histórias. Ela saiu dali desmotivada. Fazia tempos que não sonhava, e quando sonhava eram sonhos abstratos onde nada apareciam além de formas geométricas. Isto não estava nos livros.

- 11 -
Em andamento...

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