dezembro 05, 2011

O Recomeço, O Conto

Introdução


O Recomeço é a continuação do antigo Mal-Caráter. Você pode perfeitamente começar a ler a partir daqui, ou se quiser ficar mais por dentro e não cair de para-quedas, fique à vontade para ler o conto Mal-Caráter.
É quando Débora, por falta de opções, decide começar uma nova vida em um lugar diferente. Acompanhe se ela será ou não capaz de mudar seu mal-caráter.

Bom divertimento.


Personagens:
Alessia: Protagonista do conto e quem narra. É a antiga Débora, agora vivendo como outra pessoa por fora, e ela mesma por dentro. Tudo é contado pelo seu ponto de vista egoísta, egocêntrico e frio.
Joshua: Amigo da mãe de Alessia, recebe para fingir ser tio dela.
Veneranda: Velha mãe de Joshua.
Jack: Dono do bar de Ihleburg.
Vitória: Garota que Débora (Alessia) havia matado.
Cristina: Garota que Débora (Alessia) ama.


Ao decorrer do conto irão surgir outros personagens menores e alguns secretos, que se revelados agora perdem a graça.
As frases entre “parenteses” são os pensamentos de Alessia.

- O povo de Ihleburg é muito tradicional, então cabelo vermelho nem pensar
- Que tal um…
- Xi! Não fale, apenas faça. As palavras estragam os nossos atos, sabia?
- Ok queridinha.
Horas depois saí do salão com uma franja longa e lisa no cumprimento dos olhos, e o resto do cabelo desfiado, num tom castanho claro com luzes de um loiro escuro acinzentado.
“Não sei se gostei, mas sei que vou me acostumar, este cabelo combinou com meus olhos”

Comecei a viagem, não podia levar nada comigo a não ser os documentos novos que indicavam-me como Alessia, e sei lá porque, mas significa defensora da humanidade.
Partir daquele país me partia também o coração, era provável que nunca mais fosse ver Cris novamente.

Então a mais nova defensora da humanidade estava chegando em Ihleburg, não era exatamente o que eu esperava, haviam castelos lindos, mas são antigos de mais para mim, por sorte fui morar nas fazendas agrícolas, na casa de um tio que minha mãe arrumou para mim, Joshua.
Cheguei carregando as malas que minha mãe havia me dado, eu nem sabia o que havia lá dentro. O tio já veio me ajudando a carregar aqueles pesos.
- Obrigada - sorri dócilmente
- Ah, seja bem vinda sobrinha! - ele deu três tapinhas em minhas costas
“Que fingido, mas não tanto quanto eu”

Aquela semana toda foi parada, como a vida que eles levavam, só não tão parada pelo fato de terem duas crianças na casa, filhos de Joshua, e a avó das crianças, Veneranda. Não sei porque ninguém quis me falar da mãe deles, confesso que fiquei curiosa, mas não perguntei às crianças se não poderiam chorar.

Comecei a frequentar a mercearia da esquina, e entenda por esquina duas fazendas adiante. Minha locomoção passou a ser uma moto velha entre aquelas ruas de paralelepipedo. A cidade era tão parada que dava até para prestar atenção em detalhes que não se vê na cidade grande.

Diziam que Veneranda era mística, eu não acreditei mesmo, acho que ela era mais uma velha louca que não foi com a minha cara. Ela não gostou de mim, eu sinto isso, sinto sua falsidade através daqueles gestos bondosos. Ou talvez eu esteja delirando e ela seja simplesmente uma boa velinha.
- Como foi seu dia Alessia? - perguntou Veneranda, enquanto se embalava na sacada
- Bom, eu acho - Sorri e sentei ao lado dela
Ficamos observando as árvores por longos 5 minutos, e aquela dúvida cada vez mais me consumia.
- Desculpa se entendi errado, mas você parece não gostar de mim, não é mesmo?
- Ah! Bobeira filinha… - colocou a mão no meu ombro, como se quisesse me convencer de uma mentira
- Ah Veneranda, que meiga você! Não sei como podem dizer que você está ficando caduca - senti meus olhos brilharem de tanta falsidade.
- Estão dizendo isso?
- Você não sabia? Não, eu não lhe disse nada! - levantei-me rapidamente e subi para o quarto.


Na mesa, enquanto todos tomavam o café da manhã, Veneranda começou a falar: - Acham que estou velha?
- Claro que não mamãe - disse Joshua
As crianças começaram a rir e cochichar entre si
- São elas! Essas malditas crianças que estão falando de mim! - Gritou a velha.
- São apenas crianças conversando, acho que você não está bem. - disse eu, tentando passar compreensão.

Depois fui no centro com Joshua vender as frutas e verduras que eles plantaram. Estava lá apenas duas semanas, era minha primeira ida ao centro, e mesmo sendo pouco tempo, não aguentava mais ficar naquela casa com aqueles pirralhos, eu precisava arrumar um emprego decente, e isso só conseguiria na cidade.

Enquanto entregava o troco para a moça, um senhor me chamou a atenção, parecia estar acenando para mim. Achei estranho, pedi licensa a Joshua e segui aquele senhor, entramos em um bar, e ele estava do outro lado do balcão, como se fosse o atendente.
- Pois não, estava me chamando?
- Você deve ser Alessia
“É a primeira vez que estou na cidade, como ele sabe meu nome?” - Parece que sabe mais do que deveria, como se chama? - Sorri
- Jack, temos um emprego para você, e mandaram você não recusar. - disse pouco entusiasmado
“Parece ser coisa da minha mãe” - Tudo bem Jack, me fale então
- Vai começar por baixo e nos mostrar o que sabe, e se sair bem, aumenta de cargo.
- Fechado! - respondi na mesma hora
- Fechado o que?
- Eu quis dizer que sim, combinado, negócio fechado. “Esse povo de cidade pequena”.

Podia não ser o melhor trabalho do mundo, mas tomava todo o tempo do meu dia, o que me livrava de ir para as lavouras e aturar aquela família desengonçada.
Em um dos dias pouco movimentado, um rapaz começou a me paquerar.
- Jack, quem é este? Acho estar gostando de mim
- Parece ser um bom sujeito, é o novo dentista da cidade
“Vou rir muito para ele” pensei irônicamente

Na casa de Joshua, meu plano estava em alta, as indiretas que eu dava faziam Veneranda ficar cada dia mais preocupada em estar caduca e acabar num asilo. Tanto que Joshua me chamou num canto: - Desculpa pela minha mãe, ela anda velha, você sabe.
- Ah, que isso tio, da é pena de ver ela numa situação dessas, parece que precisa de cuidados especiais. Eu trabalho na cidade e você gasta todo o tempo na lavoura, tadinha, é perigoso ficar sozinha.
Ele fez uma expressão de preocupado.


Não deu dois dias e Veneranda tinha uma enfermeira, que as crianças chamavam de “babá da vovó”, nem preciso dizer que ela odiava, e odiava ainda mais a mim, só que todos me amavam, eu era dócil com eles, então ela acabava por estar errada sempre.
O suposto dentista passou a frequentar regularmente o bar, principalmente nas sextas à tarde. Cidade pequena, e todas as mulheres queriam ele, me mantive dando uma de difícil, só que demorou para ele realmente querer algo comigo, ficou quase três meses saindo com uma mulher aqui e outra ali, enquanto eu o esnobava e cada vez mais ele me queria.
Nesses três meses, eu já havia falado com minha mãe duas vezes, até que não foi tão ruim assim. Ela sempre dizia para mim colocar minha vida em ordem, que eu estava dando trabalho para Joshua e essas coisas, só que Joshua me dizia o contrário. Afinal ele ganhava uma boa grana para me aturar naquela casa.
Veneranda continuava com a enfermeira, ela havia se aquietado no canto e parado de me encomodar, então nem segui meu plano em frente (que seria mandá-la para o único asilo da cidade) até porque queria me casar e sumir daquela casa.

Cada dia sentia mais falta de Cris, como pode? Fazia tanto tempo que não via ela e sua presença ainda era viva dentro de mim.

- Como se chama? - Perguntei enquanto servia uma bebida ao dentista
- Deniel.
- Deniel? É… diferente
- Vim da Inglaterra
- Ah sim! Me chamo Alessia, se isto lhe importa
- Claro que importa - Ele abriu um sorriso com aqueles dentes perfeitos

E foi assim que consegui a atenção dele, com uma simples conversa num bar. Depois de três meses esperando, era bom a evolução do relacionamento ser bem rápida.
Enquanto isso Jack sempre de olho em mim, em tudo que eu fazia e era muito exigente, as vezes eu achava que ele não gostava de mim, mas as vezes me tratava tão bem que nem sei explicar.

Mais quatro meses se passaram e eu estava namorando com Deniel, claro que sabia das traições, mas nunca reclamei, queria mesmo casar e construir uma vida, um estatus naquela cidade, ser reconhecida além de ‘Alessia, a Bartender’
Quando eu achava que estava tudo perfeito, um rapaz me para na rua:
- Débora?! - Exclamou ele assustado
- Quê? - Respondi surpresa, passaram mil pensamentos na mesma hora, reformulei a frase - Quem?
- Você! Débora! Eu te conheço
- Não sei do que você está falando - Respondi irritada
- Sabe sim, não quero estragar seu disfarce, me ligue para conversarmos.

“Não acredito! Como me descobriram? Depois de quase oito meses nessa cidade, achei que estava tudo bem! Não acredito mesmo!”


- Não posso ser descoberta, vai arruinar todos os meus planos! Estou quase casando com aquele dentista. - Disse para minha mãe, em meio a uma ligação
- Calma, ligue para esse homem e pergunte o que ele quer, tente negociar, se não der certo deixe comigo. Aposto que é um badeco do político Hernando. - Respondeu irritada e desligou em minha cara.

Liguei para o número que ela havia me passado - Alô?
- Sabia que me ligaria
- Olha, não sei do que você está falando
- Quer mesmo continuar com esse joguinho?
Não respondi nada, na verdade nem sabia o que falar
Ele prosseguiu: - Vou direto ao ponto, quero vingança.
- Tudo bem, quer que eu mate quem?
- Você já matou, eu poderia lhe matar, mas você não me serviria de nada, por isso me mudei para esta cidade
- Ah que bom… quem eu matei?
- Você vai casar comigo e eu vou fazer da sua vida um inferno, além de pegar toda sua herança
- Nunca!
- Ou… eu digo para todos quem você é de verdade, e vão acreditar em mim, pois Vitória era minha irmã e tenho provas de que foi você.
Desliguei o telefone assustada.

Passado uma semana e meu desempenho no trabalho estava caindo, Jack perguntou o que havia de errado, eu dizia que nada e ele insistia em saber, sempre com aquela histórinha que me conhecia melhor do que eu imaginava.
Volta e meia o irmão da Vitória aparecia no bar e ficava me olhando, as vezes deixava bilhetes no guardanapo dizendo que queria me encontrar. Eu fingia que não via e ele começou a perder a paciência, até que quando estava saido do trabalho, de noite, me pegou de surpresa tampando minha boca: - Se não for por bem, vai ser por mal.
“É agora, vou morrer!”
Ele me levou até a pensão onde estava hospedado, não sei porque, mas fingi que estava tudo bem e ninguém desconfiou de nada.
- Porque casar comigo? Me mate logo. - Falei em tom alto
- Você vai ganhar uma ótima herança, acha que eu não sei?
- Todos sabem da fortuna, e devia saber também que minha mãe me odeia o suficiente a ponto de deixar tudo para meu sobrinho.
- Isso é mentira.
- Então não procurou direito nos documentos… - Respondi com ar de desprezo.
Com muita raiva ele ficou em pé na minha frente, me olhando sentada na cama.
- Preciso ir para casa, meu tio vai desconfiar do atraso.
- Nossa conversa ainda não acabou. - Disse ele com ar de vingança.

Cheguei em casa o mais rápido que pude, me sentia sozinha e desprotegida, não tinha segurança em lugar algum, o mundo começava a me assustar. Todas as pessoas queriam algo de mim, sempre benefícios próprios, e passei a lembrar da Cristina, a única pessoa que nunca cobrou nada, sempre deu sem esperar em troca.
“Que saudades dela, porque joguei tudo fora? Se eu conseguisse voltar no tempo… agora me sujeito a um homem que não presta e ainda estou sendo chatageada por um pilantra! Eu mereço”

- Se não me contar o que está acontecendo, vou falar com sua mãe
- Para Jack, não sou criança, e eu moro com meu tio, você sabe.
- Estou falando sério, vou falar com sua mãe que você está estranha
Comecei a rir, como meu chefe falaria com minha mãe se ninguém naquela cidade sabia sobre a existência dela? Nem me preocupei.

No outro dia, antes de ir trabalhar, Joshua me acorda dizendo haver uma ligação para mim. “Deve ser o irmão da Vi”.
- Alô? - Disse estupidamente
- O que está acontecendo com você? Recebi uma ligação anônima dizendo que está diferente e não segue mais as regras. Que isso, virou uma marginal agora?
- Que? O que? Nãaao! - “Minha mãe, que surpresa agradável” pensei irônicamente
- Quero saber como entraram em contato comigo e quem é essa pessoa. Você me disse que era boa, lembra? Só que pelo o que me mostra você não presta pra nada, nem para fingir ser outra pessoa.
- Acho que sei quem foi. Vou cuidar disso.
- Espero que cuide mesmo, porque se não cuidar eu cuido, e te deixo morrer sem ninguém nessa cidade. Você sabe que não estou brincando! - Respondeu ela gritando, e logo desligou o telefone.

Participação de Emilly Teixeira Galvão.


“Quanta coisa em minha cabeça! Quanta coisa para cuidar! Jack, Veneranda, Deniel, irmão da Vi e agora minha mãe! Assim vou ficar louca”
Organizei por partes, Veneranda saiu fora da lista, na verdade eu nem lembrava mais que ela existia, só a via na hora do café da manhã. Deniel… bom ele não prestava, e aquela relação estava horrível mesmo, fora da lista também. O Jack vai ser fácil, e resolvendo o Jack eu resolvo o problema da minha mãe, tudo certo. Como eu queria o irmão da Vi fora da lista, me sinto inútil.

Na tarde seguinte falei com Jack;
- Como conseguiu falar com minha mãe?
- Tenho meus contatos
- Só que… eu não sei explicar, ela não é minha mãe.
- Claro que não, ela é mãe da Débora, e não de você Alessia
Gelei e fiquei sem palavras - Pelo jeito todos sabem de mim, sou mesmo péssima.
- Claro que não! - Ele pausou e perguntou - Quem mais sabe de você?
- Um rapaz aí…
Então contei a história para Jack, ele já sabia da minha vida antiga, mas continuou guardando segredo sobre como descobriu.

Depois daquele dia que conversei com Jack, o irmão da Vi nunca mais me incomodou, acho que Jack deu um bom susto nele. Foi a partir daí que comecei a confiar no meu chefe, queria ter o conhecido desta forma mais cedo. Claro que ele continuou exigente como sempre no bar.
Como o irmão da Vitória havia me deixado em paz, voltei a sair com Deniel, a ponto de nos casarmos. Foi uma reunião simples e eu odiei (por dentro), enquanto todos daquela cidadela gostaram. Eu realmente sabia que seria infeliz com aquela vida que havia escolhido, mas eram apenas as consequências dos meus atos irresponsáveis.
Os primeiros meses de casamento foram agradáveis, Deniel começou a chegar tarde em casa só depois do 9° mês, que foi na mesma época que começaram as traições. Quando completamos um ano de casamento, decidi fazer faculdade à distância, para ter tempo de ser “a boa esposa”.
Quatro anos depois estava formada em administração e com duas filhas (Amanda e Anabel, de 2 aninhos). Todas as noites antes de dormir, ficava pensando em como estava minha vida, tudo tão diferente do que eu queria, saudades da Cris, do Brasil, de tudo. Aquela Ihleburg me fazia cada vez sentir mais presa e passiva diante da vida, sem falar que Deniel era um péssimo exemplo de pai, as meninas choravam no meu colo de saudades dele, enquanto eu tinha que cobrir as falhas dele que só me matavam por dentro, mentiras por cima de mentiras.
Minha mãe nem fez questão de vir a Ihleburg conhecer as netas, o que me causou extremo ódio e revolta a ponto de não nos falarmos mais desde o nascimento das gêmeas, afinal eu não precisava mais do seu dinheiro, e não lhe dependia de nada.
Acho que minha mente mudou muito com a vinda das meninas.

Por que, mesmo depois de cinco anos, eu ainda pensava na Cris? Cinco míseros anos sem notícia alguma dela, somente agora me dei conta que ela marcou minha vida. Se bem me lembro, havia matado Vitória para proteger minha relação, mas causou exatamente o oposto, nos afastando e tornando tudo complicado.
Aquele casamento desgastado, Veneranda tão velha que cada vez que dormia pensavam se seria sua hora de partir. O partido da minha mãe havia ganhado as eleições ano passado, então havia acabado as buscas sobre os podres da família. O Jack seria o único que me deixaria saudades.
- Aonde vamos mamãe?
- Conhecer o mar.
Gritaram felizes, correndo pela casa.
Com as malas prontas, Deniel em uma suposta viagem à trabalho, Jack com sua vida rotineira, eu precisava sair logo sem que ninguém visse, mas isso era impossível naquela cidadela, todos tão fofoqueiros. Sai de casa carregando as malas, Amanda e Anabel de mãos dadas no meu lado.
- Comportem-se meninas, e se perguntarem algo, não digam nada.
Acenaram que sim. Que ótimas filhas eu tenho, nem acredito que herdaram a genética daquele idiota.
- Três passagens
- Para onde?
- Capital do país de Ihleburg.
- Esta é a Alemanha.
- Pois é.

Enfim partimos.


Despedida:
A Fic Recomeço termina aqui. Espero que tenham gostado. Não esqueçam de comentar e dizer suas críticas e sugestões.

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